Dr. Luiz Trabulsi é bacteriologista. Médico, foi professor na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal de São Paulo. Atualmente, trabalha no Instituto Butantã.
EXEMPLO DE SUCESSO ECOLÓGICO Parte I
As bactérias, esses seres de tamanho tão insignificante, conseguem interferir de forma decisiva não só na vida humana, mas em toda a ecologia do planeta. Elas surgiram assim que a Terra se resfriou há 4,4 bilhões de anos e estão aí até hoje. Durante muito tempo, cerca de três bilhões de anos, só existiam em nosso planeta seres unicelulares, isto é, os formados por uma única célula. Os multicelulares, que deram origem aos animais, plantas e aos seres humanos, surgiram entre 600 milhões e um bilhão de anos atrás.
Sabe-se, hoje, que metade da biomassa terrestre, ou seja, metade da soma das massas de todos os seres vivos existentes na Terra, é constituída por seres unicelulares. As bactérias representam, então, o maior exemplo de sucesso ecológico na história da vida desse planeta.
O número de bactérias que nos colonizam, especialmente na pele e no trato digestivo, é muito superior ao número de células que constituem nosso corpo e sua diversidade é tanta que só conhecemos mais ou menos 50% delas, pois as demais nunca foram cultivadas.
CAPACIDADE DE ADAPTAÇÃO DAS BACTÉRIAS
Drauzio – A que se pode atribuir a facilidade com que as bactérias se adaptaram à vida terrestre?
Luiz Trabulsi – Gostaria de mencionar primeiro que esses microorganismos prepararam a Terra para ser habitada por todos os demais seres vivos. Várias são as razões para esse sucesso em sua adaptação. As bactérias se multiplicam rapidamente. A Escherichia coli, por exemplo, forma uma geração nova a cada 20 minutos. Além disso, e talvez o mais importante, é sua capacidade de adaptar-se, não somente através de mutações, mas pela troca de material genético, característica que só elas possuem e é fundamental para sua evolução.
Outro fato a destacar é que todos os habitats da Terra são povoados por bactérias que proliferam em qualquer temperatura, tipo de ambiente, intensidade de luz e na presença ou ausência de ar.
Drauzio – O senhor disse que a Escherichia coli, uma bactéria vulgar que cresce nas fezes e é muito comum nas infecções urinárias femininas, multiplica-se a cada 20 minutos. Diante de tal rapidez de proliferação, como elas ainda não inundaram a Terra?
Luiz Trabulsi – Porque estão sujeitas a controles rigorosos também. Um sistema de regulação muito eficiente e complexo controla sua replicação. Crescem até um ponto, atingem o clímax e param de crescer. Se crescessem à vontade, não haveria espaço sequer para elas no universo.
TROCA DE MATERIAL GENÉTICO
Drauzio – Em que consiste a troca de material genético que o senhor já mencionou?
Luiz Trabulsi – Os micro-organismos são divididos em três domínios: o das bactérias, o das árqueas e o das eucáreas. Estas deram origem a todos os seres superiores. Nessa árvore, hoje bem conhecida não só através de fósseis, mas também pelos estudos de biologia molecular, ficou demonstrado que a bactéria termótega, que se situa bem no início da árvore, recebeu 25% dos genes das árqueas por transferência horizontal, ou seja, pela passagem de genes de uma espécie para outra sem haver multiplicação de indivíduos, ao contrário do que acontece com a transferência vertical que se dá pela divisão celular, uma vez que a bactéria-mãe passa seus genes para as bactérias-filhas.
A transferência horizontal de genes é fundamental não só na evolução dos micro-organismos em geral, mas também para a evolução das bactérias patogênicas. Nelas, grande parte dos genes que codificam para fatores de virulência surge por transferência horizontal. Os plasmídeos, por exemplo, fragmentos de DNA localizados no citoplasma, que carregam genes de virulência, de toxinas e de adesinas, podem passar de uma bactéria para outra por conjugação, o mesmo ocorrendo com os bacteriófagos. Mais recentemente, foram descobertas as ilhas de patogenicidade, cassetes de genes de virulência que passam de uma bactéria para outra conferindo-lhes a capacidade de causar doenças.
CASSETE DE INFORMAÇÕES GENÉTICAS
Drauzio – Ilha de patogenicidade é um termo técnico muito utilizado em microbiologia. O senhor poderia explicar um pouco mais o conceito de cassete de informações genéticas?
Luiz Trabulsi – São elementos genéticos com constituição de genes diferente da dos cromossomos das bactérias transferidos horizontalmente de uma bactéria para outra. Esses conjuntos de genes, além de codificar vários fatores de virulência que tornam a bactéria patogênica, codificam também as características de seu aparelho secretor. Simultaneamente, eles formam os produtos responsáveis pela virulência e permitem que os mesmos sejam excretados pela bactéria para agir nas células dos organismos mais complexos (eucariotas) que irão infectar. Como a composição genética dessas ilhas não é a mesma dos cromossomos da bactéria, os genes nelas contidos devem ter sido doados por outras bactérias no passado e, ao serem adquiridas, essas ilhas fizeram com que a bactéria passasse a causar doenças.
PAPEL DA FLORA BACTERIOLÓGICA
Drauzio – Em termos de estratégia de sobrevivência, as bactérias que vivem em equilíbrio com o organismo não levam vantagem ecológica sobre as patogênicas que podem morrer junto conosco?
Luiz Trabulsi – A questão da flora bacteriológica é um dos aspectos mais surpreendentes em microbiologia. Nós carregamos no intestino mais células bacterianas (cerca de dez trilhões) do que todas as células eucarióticas do nosso corpo somadas (apenas 10% desse valor) e calcula-se que 50% delas não foram cultivadas em laboratório até agora. Sabemos, entretanto, que essa flora ajudou o animal a criar um sistema imunológico capaz de defendê-lo contra infecções. Experimentos com animais demonstraram que eles morrem se forem criados sem flora e colocados por algum tempo num ambiente normal. Por motivos óbvios, com o homem não se pode fazer uma avaliação mais completa, mas vários trabalhos mostram que a flora contribui para desenvolver as defesas do organismo, estimulando a produção de anticorpos e dos linfócitos T.
Estudos mais recentes ainda indicam que, além de estimular a defesa imunológica, a flora desempenha papel importante na constituição da mucosa intestinal e em várias funções fisiológicas. Certas glicoproteínas e uma série de funções metabólicas, por exemplo, só se expressam na presença da flora e doenças como a colite ulcerativa e a doença de Crohn estão intimamente ligadas à existência e composição da flora intestinal. Referências atuais sugerem a influência dessa flora no metabolismo lipídico, o que talvez possa explicar a obesidade e a aterosclerose.
Outras observações fantásticas estão relacionadas a esses micro-organismos que ocupam nosso organismo na hora em que nascemos e vivem conosco até nossa morte.
Joshua Lederberg, prêmio Nobel em Biologia, propôs que nos referíssemos à flora bacteriana como nosso microbioma, pois sem conhecê-lo valeria muito pouco conhecer o genoma humano.
Drauzio – Quando começa a colonização do ser humano pelas bactérias?
Luiz Trabulsi – Começa quando a criança está atravessando o canal do parto. Dentro do útero materno, ela é estéril. Durante a passagem, vai adquirindo as bactérias da mãe. Mais ou menos aos dois anos, sua flora estará estabelecida e a acompanhará pelo resto da vida.
Drauzio – Se num dado momento fosse possível esterilizar completamente essa flora, isso seria incompatível com a vida a curtíssimo prazo?
Luiz Trabulsi – Dependeria de quanto tempo o indivíduo permanecesse estéril. O uso de antibióticos pode provocar infecções oportunistas, porque temporariamente é destruída a flora que protege os intestinos, por exemplo. Se a destruíssemos permanentemente, tenho a impressão de que não sobreviveríamos, pois, dependendo do tempo que ficássemos sem ela, desenvolveríamos infecções locais e septicemias.
MECANISMO DE SOBREVIVÊNCIA DAS BACTÉRIAS
Drauzio – De que mecanismo se valem as bactérias para deixar de viver em equilíbrio com nosso organismo e passar a provocar doenças?
Luiz Trabulsi – O ambiente interno do nosso corpo deve ser muito mais atrativo para as bactérias do que o nosso exterior onde são obrigadas a competir com as outras em condições pouco satisfatórias. Por isso, elas estão sempre tentando penetrar em nosso corpo. Se for aberto um caminho, algumas entram em busca de um ambiente melhor e podem provocar bacteremias pós-cirúrgicas, por exemplo. Se pensarmos em infecções exógenas como as da pele, talvez fique um pouco mais compreensível esse fato.
Em última análise, assim como nós, as bactérias querem sobreviver e passam de um indivíduo para o outro a fim de se perpetuarem. Desse modo, a impressão de que a bactéria que mata seu hospedeiro leva desvantagem em relação àquela que não o mata, porque perde sua fonte de nutrientes, não é totalmente procedente. Elas causam doenças para sobreviver e são dotadas de genes que codificam para adesinas, as proteínas que permitem sua fixação no nosso organismo, ou criam substâncias tóxicas para as células eucarióticas.
Na verdade, as bactérias patogênicas diferem muito pouco das células normais e são patogênicas exatamente por isso. Esses poucos genes diferentes podem constituir uma ilha de patogenicidade, um plasmídeo ou um bacteriófago.
ESTÍMULO AO DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA IMUNOLÓGICO
Drauzio – Podemos dizer que as bactérias, no decorrer de toda a evolução, nos ajudaram a desenvolver um sistema imunológico altamente sofisticado por causa desse contato permanente que estabelecemos com elas, uma vez que o desenvolvimento desse sistema está diretamente condicionado ao estímulo recebido?
Luiz Trabulsi – Não há a menor dúvida. Existem evidências diretas de que o sistema imunológico dos animais, especialmente o sistema de imunidade das mucosas, se formou à custa do auxílio da flora intestinal. Aliás, hoje já não se discute o conceito de que há uma flora boa e uma flora má. Essa flora amiga é constituída por lactobacilos, bífido-bactérias e talvez alguns estreptococos. Estudos em animais (repito que no homem é sempre mais difícil realizá-los) indicam que a administração desses lactobacilos promove o desenvolvimento de anticorpos e ativação de linfócitos. Essa flora benéfica, portanto, ajuda a formar não só o sistema de defesa natural como também o adquirido.
DIVERSIDADE DS BACTÉRIAS Parte II
Drauzio – O senhor disse que conhecemos aproximadamente apenas 50% das bactérias que nos colonizam. Como foi montada essa combinação de genes que lhes garantiu diversidade tão expressiva?
Luiz Trabulsi – Conhecemos 50% delas, mas ainda superficialmente. Mesmo considerando as já cultivadas, sabemos muito pouco de suas relações com nosso organismo, pois só agora está sendo possível estudá-las melhor graças às técnicas desenvolvidas pela biologia molecular.
Recentemente foi descoberto que esses microorganismos se comunicam uns com os outros e com as nossas células. A conversa bactéria-bactéria, por exemplo, se realiza por meio de substâncias químicas que elas secretam. É o chamado quorumsensing, termo criado por um advogado, amigo de um microbiologista, para expressar que essa comunicação se estabelece quando as bactérias atingem determinado número – quorum – e começam a secretar auto-indutores, substâncias que são transferidas para outras bactérias e vão interferir no funcionamento e na expressão de seus genes, provocando uma série de propriedades novas na bactéria que recebeu a informação. Por exemplo, o vibriocólera e outros patógenos importantes passam a informação no momento em que sentem ter atingido nível populacional adequado para sua sobrevivência e consideram-se prontos para invadir o organismo e causar infecção. Imagine esse contato íntimo ocorrendo nos intestinos onde temos de quinhentas a mil espécies diferentes de bactérias.
A comunicação da bactéria com a célula eucariótica dá-se de forma diferente. Estimulada pela proximidade da bactéria, a célula a incorpora e disso decorrem endocitoses e fagocitoses. Na verdade, a bactéria subverte o mecanismo fisiológico das células fazendo com que micro-organismos unicelulares se escondam dentro delas e se protejam dos anticorpos. Estudos também recentes mostram que, só em contato com a célula eucariótica, o aparelho secretor da bactéria se abre e lança proteínas de virulência. É a chamada secreção contato-dependente.
Essa comunicação existente entre bactéria-bactéria e bactéria-célula do hospedeiro explica a diversidade, ou seja, a imensa variação de bactérias. E estou me referindo apenas às que causam doenças, porque a respeito das normais sabemos muito pouco.
Atualmente, foi levantada a hipótese de que certas bactérias patogênicas só expressam sua patogenicidade quando fazem contato com a célula normal. A Escherichia coli hemorrágica, por exemplo, atravessa o estômago e alcança os intestinos. Chegando ao cólon, recebe autoindutores da flora normal e passa a produzir toxinas que vão causar doenças.
Drauzio – Existiria, então, uma conversa entre as bactérias normais e aquelas que vão tornar-se patogênicas?
Luiz Trabulsi – Uma conversa diabólica, porque a normal está alimentando a outra. Estou desenvolvendo um projeto para investigar mais a fundo esse aspecto da flora intestinal que está emergindo agora com força.
Drauzio – Quando estudamos as bactérias patogênicas, os fungos e os vírus, somos tentados a imaginar que eles são capazes de perceber as reações do organismo e tomar partido disso para ludibriá-lo. Na verdade, trata-se apenas de um mecanismo de seleção natural.
Luiz Trabulsi – Se esses bichinhos estão aí há três bilhões de anos, diversificaram-se de tal maneira que estavam prontos para adaptar-se a todas as situações e a colonizar todos os seres que surgiram depois deles. Esses micro-organismos não só prepararam a Terra para ser habitada pelos demais seres vivos, como continuam mantendo-a em condições para que isso aconteça, pois sem o ciclo de carbono e nitrogênio não haveria vida. Hoje sabemos que a fotossíntese, antes atribuída somente aos vegetais, 50% dela é feita por bactérias e algas unicelulares. São tantas as descobertas que se pode até pensar que talvez esses micro-organismos sejam os salvadores do mundo.
MICRO-ORGANISMOS SALVADORES DA TERRA
Drauzio – O que o senhor quer dizer com isso?
Luiz Trabulsi – Acredito que cada vez mais vamos recorrer a esses micro-organismos como alimentos, a chamada single cell proteine. As possibilidades são ilimitadas. Pode-se acabar com a fome do mundo, se eles forem utilizados de maneira correta. No combate à poluição, assim como já existem micro-organismos que devoram o petróleo que se espalha pelas águas, haverá os que ajudarão a resolver o problema seriíssimo do lixo especialmente o lixo constituído pelas substâncias biodegradáveis.
É possível mesmo que eles sejam os salvadores da Terra que ajudaram a criar e a manter apesar da ação maléfica dos homens.
Drauzio – Assisti uma vez a uma conferência em que o autor dizia que nós conhecemos menos de 1% das bactérias que vivem até um metro de profundidade e não temos noção das espécies que seriam encontradas a 200m ou 300m de profundidade. Desse modo, se houvesse uma dizimação total na superfície da Terra, talvez a vida ressurgisse de dentro para fora do planeta. O senhor está de acordo com isso?
Luiz Trabulsi – Estou de acordo. Veja o que acontece no fundo do mar. A flora ali existente sobrevive numa temperatura inóspita, numa escuridão total e sob pressão tremenda. Essa vegetação é mantida por bactérias que poderão emergir no caso de devastação da vida na superfície terrestre.
Para mim, a microbiologia está nascendo ao estudar o micróbio em si e o que ele pode fazer pela humanidade. Até agora ela tem sido muito médica. Nós nos preocupamos só com doenças.
Drauzio – Esses micro-organismos são ancestrais do homem. A mitocôndria, por exemplo, um corpúsculo que fica dentro da célula e é responsável pela produção de energia, sem a qual não existe a menor possibilidade de sobrevivência e, na verdade, a mitocôndria resulta de uma bactéria que infectou a célula lá atrás na escala do desenvolvimento.
Luiz Trabulsi – A relação bactéria-mitocôndria representa a simbiose mais perfeita de que já existiu, tão perfeita que não admite a possibilidade de vida se houver separação de seus componentes. E não foi só isso. O cloroplasto, organela presente na maioria das células das plantas expostas à luz, também é uma bactéria.
Na realidade, parece que as bactérias tiveram participação fundamental em tudo. A descoberta dos fósseis microbianos há 40 ou 50 anos deixou evidente que antes de a Terra ser habitada por animais e vegetais, era povoada por micro-organismos e que o mecanismo básico de seleção natural já corria solto.
O FUTURO DA BACTERIOLOGIA
Drauzio – Para onde caminha a bacteriologia no futuro?
Luiz Trabulsi – Acho que vamos continuar estudando profundamente os micro-organismos no sentido de conhecer o papel da flora normal do organismo e aproveitar esse conhecimento para nosso benefício.
Veja a questão dos probióticos, bactérias benéficas ao organismo humano não só pelo restabelecimento da flora intestinal, mas porque estimulam a defesa imunológica. A bactéria do iogurte, por exemplo, é um probiótico. Não de todos, é claro, porque algumas preparações comerciais utilizam fórmulas diferentes e misturam muitas substâncias.
E existem muitos outros exemplos. O câncer de cólon é cem vezes mais frequente do que o câncer do intestino delgado e há evidências de que ele possa ser provocado por produtos cancerígenos que a flora produz. A descoberta da Helicobacter pylori, uma bactéria que pode ser causa da úlcera estomacal, também pode provocar distúrbios na divisão celular que dão origem a certos tipos de câncer de estômago.
Drauzio – Há linfomas de estômago que regridem depois do tratamento da Helicobacter pylori.
Luiz Trabulsi – As evidências das relações entre bactérias e câncer do intestino e do estômago são bastante fortes. Por outro lado, existem demonstrações de que se o intestino de um animal for colonizado por certas espécies bacterianas, desenvolverá tolerância imunológica. Isso é importante porque, nos países desenvolvidos, o aumento do número de casos de processos alérgicos em crianças parece guardar relação com a qualidade da flora intestinal.
Dentro da microbiologia médica, o conhecimento das relações da flora com o organismo vai ser alvo de muita investigação, não só para aproveitar o que isso tem de bom, mas para combater o mal que causa, as doenças que provoca.
Vale mencionar que as doenças agudas, queiramos ou não, do ponto de vista epidemiológico, do mecanismo de virulência, são bem conhecidas e muitas delas não dependem das bactérias, mas sim da reação do organismo à infecção. Quanto às doenças crônicas, como a tuberculose e a lepra, por exemplo, ainda temos muito a aprender.
OUTROS CAMPOS DE UTILIZAÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE BACTÉRIAS
Drauzio – Em que outros campos é possível aproveitar o conhecimento a respeito das bactérias?
Luiz Trabulsi – Estamos superando a fase de identificação fenotípica e passando para a de identificação molecular das bactérias. Mais do que isso, dentro de algum tempo, não precisaremos mais cultivá-las. Iremos diretamente ao seu DNA que será amplificado e identificaremos em minutos se elas apresentam ou não resistência aos medicamentos empregados. Nesse aspecto, a microbiologia médica está se desenvolvendo muito.
Sem mencionar a biotecnologia e a indústria, a parte relativa aos solos, vegetais, água, ambientes aquáticos e ecologia também será um campo vasto de investigação.
Tudo isso me faz pensar que se deveria dar mais ênfase ao ensino da microbiologia nas escolas. Os cursos de primeiro grau deveriam oferecer noções básicas dessa matéria junto com botânica e zoologia, porque ela vai ser de grande interesse para a humanidade.
Drauzio – A microbiologia foi uma das áreas da biologia que mais se desenvolveu no final do século XX, o senhor não acha?
Luiz Trabulsi – Sem a menor dúvida. A introdução da biologia celular e da biologia molecular no estudo dos micro-organismos, especialmente da microbiologia celular que estuda as relações bactéria-hospedeiro, revolucionou todo o conhecimento.
ENSINO DA MICROBIOLOGIA PARA CRIANÇAS
Drauzio – Como a microbiologia poderia ser ensinada para as crianças?
Luiz Trabulsi – Acho que daria para montar um belíssimo programa com aulas práticas inclusive. É questão de pensar um pouco. Poderíamos começar com alguns aspectos morfológicos do que é o mundo microbiano, incluindo nele bactérias, algas e protozoários. Daria para mostrar a flora através do microscópio e a transferência do DNA de uma bactéria para outra, pois até já existem kits preparados para isso.
Atualmente, no Brasil, não existe uma noção global do que sejam os micróbios, de seu papel na Terra e na vida como um todo.
Drauzio – Bastaria aproveitar a curiosidade natural das crianças diante desse mundo invisível e cercado de mistério para interessá-la pelo assunto.
Luiz Trabulsi – É verdade. Mesmo o aluno de medicina, que já lida com esse universo, fica excitadíssimo quando vê a bactéria que provoca a tuberculose, por exemplo.
Drauzio – Foi esse mistério que o atraiu para o mundo das bactérias?
Luiz Trabulsi – Sou médico, me formei em 1956 na Bahia e vim estudar gastroenterologia em São Paulo com o professor José Fernandes Pontes, que tinha grande entusiasmo por fermentações e putrefações que atribuía à flora intestinal. Logo descobri que não sabia nada de bacteriologia para trabalhar com esses assuntos e fui para Alemanha e depois para os Estados Unidos para desenvolver meus conhecimentos. Foi um caminho tortuoso. Sou médico, mas poderia ser biólogo, porque tudo que diz respeito à vida me atrai imensamente.
Fonte: drauziovarella.com.br